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A discussão sobre o porte de armas de fogo no Brasil frequentemente levanta comparações com outros países. Entender como diferentes nações abordam essa questão pode oferecer perspectivas valiosas para o debate interno. Em 2025, com a legislação brasileira moldada principalmente pelo Estatuto do Desarmamento e pelo restritivo Decreto nº 11.615/2023, como o Brasil se posiciona em relação a países com culturas e históricos distintos como Estados Unidos, Canadá e Alemanha?
Estados Unidos: A Cultura da Arma e a Segunda Emenda
Os EUA possuem uma das legislações mais permissivas do mundo ocidental em relação ao porte de armas, ancorada na Segunda Emenda de sua Constituição, que protege o direito do povo de manter e portar armas. As leis variam significativamente entre os estados: alguns permitem o porte ostensivo (open carry) sem necessidade de licença especial (“constitutional carry”), enquanto outros exigem licenças para porte velado (concealed carry) e impõem mais restrições.
- Aquisição: Geralmente, a compra de armas é relativamente simples em muitos estados, com verificações de antecedentes (background checks) sendo a norma, embora existam brechas, como em vendas particulares.
- Tipos de Armas: Uma vasta gama de armas, incluindo rifles semiautomáticos de estilo militar, é acessível à população civil.
- Porte: O porte, seja ostensivo ou velado, é amplamente difundido.
- Comparativo com o Brasil: O Brasil, mesmo antes do decreto de 2023, sempre foi consideravelmente mais restritivo. A legislação brasileira atual impõe limites severos de calibre, quantidade de armas e munições, e o porte é uma exceção, não a regra, dependendo da comprovação de efetiva necessidade e discricionariedade da Polícia Federal. Nos EUA, o direito ao porte é presumido em muitos locais. As taxas de mortalidade por armas de fogo nos EUA são significativamente mais altas que na maioria dos países desenvolvidos, um ponto frequentemente levantado por críticos da política armamentista americana e citado em debates no Brasil, inclusive em audiências no Senado Federal.
Canadá: Um Meio-Termo com Foco na Segurança
O Canadá adota uma abordagem mais equilibrada e restritiva que os EUA, mas historicamente menos rigorosa que muitos países europeus. A posse de armas é considerada um privilégio, não um direito.
- Aquisição: Requer uma licença (Possession and Acquisition Licence – PAL), que envolve cursos de segurança, verificação de antecedentes rigorosa (incluindo histórico de saúde mental e referências pessoais) e um período de espera.
- Tipos de Armas: As armas são classificadas como não restritas (rifles e espingardas comuns), restritas (muitas pistolas e alguns rifles semiautomáticos) e proibidas (armas automáticas e certas armas curtas e rifles de assalto). Em 2020, o Canadá proibiu mais de 1.500 modelos e variantes de armas de fogo de estilo assalto.
- Porte: O porte de armas para autodefesa é extremamente raro e dificilmente autorizado. O transporte de armas é estritamente regulamentado (descarregadas, travadas e em local seguro).
- Comparativo com o Brasil: O Brasil pós-Decreto 11.615/2023 se aproxima mais do modelo canadense em termos de intenção de controle, especialmente na restrição a armas semiautomáticas e na visão do porte como uma exceção. Ambos os países exigem cursos e verificações, mas o Canadá possui um sistema de licenciamento geral (PAL) mais abrangente para a simples posse, enquanto o Brasil foca no registro individual de cada arma. O Brasil ainda discute muito a questão do porte para defesa, algo praticamente inexistente no Canadá.
Alemanha: Controle Rigoroso e Baixa Violência Armada
A Alemanha possui uma das legislações mais estritas da Europa. A posse de armas é altamente regulamentada e a autodefesa raramente é aceita como motivo válido para adquirir uma arma.
- Aquisição: Requer uma licença de aquisição (Waffenbesitzkarte – WBK), que só é concedida após comprovação de uma “necessidade credível” (Bedürfnis), como caça esportiva ou participação em clubes de tiro. Exige verificações de antecedentes criminais, aptidão mental e física, e conhecimento técnico. A idade mínima é geralmente 18 anos, mas 25 para certas armas.
- Tipos de Armas: Armas automáticas são proibidas para civis. Há restrições severas sobre armas semiautomáticas e tipos de munição.
- Porte: A licença para porte (Waffenschein) é extremamente difícil de obter e concedida apenas a indivíduos que demonstrem uma necessidade excepcional e risco elevado (ex: seguranças privados em certas funções).
- Comparativo com o Brasil: A Alemanha é significativamente mais restritiva que o Brasil. Enquanto o Brasil ainda permite a posse para defesa pessoal (comprovada a necessidade para o porte), a Alemanha praticamente elimina essa justificativa. O foco alemão na “necessidade credível” ligada a atividades esportivas é muito mais rigoroso. Ambos os países, contudo, compartilham a visão de que o Estado é o principal provedor de segurança. Dados do IBGE ou IPEA sobre violência no Brasil, quando contrastados com estatísticas alemãs, mostram uma disparidade imensa, frequentemente usada para argumentar a favor de controles mais rígidos no Brasil.
Conclusão:
Em 2025, a legislação brasileira sobre armas de fogo, com as restrições impostas pelo Decreto nº 11.615/2023, coloca o país num patamar de controle mais elevado que os Estados Unidos, mas ainda com debates e pressões sociais por flexibilização que não se observam com a mesma intensidade no Canadá ou Alemanha. Enquanto os EUA priorizam o direito individual ao porte, Canadá e Alemanha focam na segurança pública e na visão da posse de armas como um privilégio condicionado a forte regulamentação. O Brasil parece tentar trilhar um caminho intermediário, embora com desafios culturais e de fiscalização próprios, buscando um equilíbrio que ainda é objeto de intensa disputa social e política.